29 January 2006

Sempre detestara o rosa. A cor enjoativa, criança, com ares superiores. “Olhem para mim como sou feliz.” E chegava o dia dos namorados e o tormento atingia o seu auge. Faça-o feliz com Xpto. Ofereça-lhe um perfume, lingerie, doces, telemóveis, carteiras, pantufas. Por todo o lado o suplício.
Imagens, fotografias, sorrisos falsos, desenhos melosos, maldosos, mentiroso. Etiquetas nos rostos. Etiquetas de rostos. Seja como os outros, seja diferente, único e original. Veja como pode ser feliz. Seja assim, tenha isto. Comprar felicidade sob a forma de amor. Tudo isto a deprimia. Fechada em casa sorria sozinha. Vestida de lingerie fina preta com uma taça de champanhe na mão, sorria. Perdida em si. Lembrava-se de quando não estava só. Quando aquela casa, aquele raquítico apartamento, transbordava de vida, de sentimentos, de amor. Calor.
E agora restava a saudade e a humidade da sala. Nostalgia. Estupidamente sorria.
Os dedos descalços enroscavam-se sem pensar. E o champanhe borbulhava esperando ser bebido.

- Vá lá, deixa-me entrar!
- Não! Desta vez sou eu sozinha.
- Pelo menos destranca a porta!
- Não! Depois tu entras às escondidas! Vai-te embora!
- Não te demores!
- O que é que é este barulho todo?
- Oh, é a Catarina que quer tomar banho sozinha e não me deixa entrar.
- Deixa-a estar, já é crescidinha – aproximou-se e abraçou-a.
- Sim, mas vai-se por a gastar água que nem uma maluca – afastou-se ligeiramente e gritou – Não gastes muita água!
- Está bem!
Carlos voltou a apanhá-la devagarinho.
- Vá lá – passou-lhe os dedos pelo pescoço. – Não te preocupes, - desceu até à curva dos seios – até temos um tempinho para nós.
Marta olhou para o marido com relutância. Ele riu-se. Agarrou-a pela cintura e levou-a às costas, como um saco de batatas, até ao quarto, ignorando os seus gritinhos histéricos de criança divertida.

- Catarina, já está? Acaba com isso, estás a gastar imensa água!
A água continuava a chover dentro da casa de banho.
- Catarina abre a porta imediatamente! – Carlos aproximou-se. – Ela não abre a porta. Catarina!
- Ela não deve ouvir por causa da água. Não tens outra chave?
- Não – uma nota de pânico nascia na voz dela. – Ai Carlos , abre a porta!
- Oh Marta não consigo abrir a porta sem a chave!
- Arromba-a!
- Tens a certeza?! A miúda está bem.
- Não está nada! Abre a porta!
Carlos reparou numa mancha de tinta na zona metálica do buraco da fechadura. Ainda se lembrava de ter pintado aquela porta. Agora corria contra ela.
A porta caiu estrondosa. A casa de banho estava inundada de vapor. Catarina estava caída na banheira e a chuva a cair-lhe no rosto.
A chama do esquentador brilhava e um pijama rosa esperava ser vestido.
Marta nunca mais foi capaz de tocar no marido.

7 Comentários:

At 30/1/06 02:29, Anonymous Anonymous disse...

A simplicidade das frases grandiosas que me levaram à exaustão de algo cá dentro. Gostei. Muito.

 
At 30/1/06 16:56, Blogger José Pires F. disse...

Então... Agora entraste na onda de me deixar a pensar? Afinal, onde está o divertido e até displicente Ipslon? Claro que foi a febre… só pode, não é?
Este registo, que caminha por outras veredas da tua imaginação, deprimiu-me.
O final, surge naturalmente, melancólico e como se fosse esperado. Devido ao ritmo da acção, não existe choque e sim a constatação do inevitável.
Bolas para ti… Detesto histórias, principalmente com crianças, que acabem mal. Hoje não destruíste vilões, destruíste uma família com uma situação ainda por cima perfeitamente verosímil.
Um grande abraço.

PS: O Lord vai adorar.
PS2: O blog da Clarissa desapareceu. Sabes alguma coisa?

 
At 30/1/06 17:55, Blogger Ipslon disse...

clarissa:
a minha escrita e velha mas tem fases. tem evoluido mt ao longo do anos (como podes comprovar se te aventurares no passado deste blog). ha alturas em que n escrevo nada ou em que escrevo so para mim e textos oficiais. ha outras, como a fase que atravesso agora, em que escrevo o tempo todo.
quando n estou bem ou escrevo ou desenho. sao assim as minhas escapadelas.
o estilo, gosto de o variar. procuro surpreender-me... gosto de ser cru e frio (sim foi intencional), mas também me dao acessos de sentimentalismo (com que as vezes enjoo).
o texto anterior que referes, n lhe chamo texto. estive mt relutante em o por aqui, uma vez que n passa de um despejo. n e um conto, n e um texto e uma divagaçao.
sera talvez a coisa escrita que mais diz de mim, daí a minha relutancia. alem de n ser um texto completo achei que me desvendava de mais... e o despejo e os poemas...
tb me alonguei mas e o que e bom aki e que ninguem nos manda calar ou nos cronometra;)
contente por te ter ao meu lado neste crescimento
grande abraço

conteudo latente:
fico feliz por ver que o texto produziu o efeito esperado!
a vida e tao facil de perder... e por isso que me meto a divagar sobre ela, para lhe tentar dar o seu devido valor...

meu grande pires! (ahahah onde esta a chavena? ui desculpa saiu!)
deixar a pensar? sobre os temas? sobre os textos? sobre o fim? sobre a tua opiniao?
divertido? olha la se fosse sempre divertido n era cansativo?
nem tudo e divertido, nem tudo e surpreendente, nem todo o Ipslon e igual...
bem o dizes:) bolas para mim! n se pode agradar a todos. espera por uma fase mais ironica/divertida/surpreendente...
infelizmente os dramas acontecem n e por n serem agradaveis que n se deva falar deles, e talvez eu tenha um fraquinho por dramas. n sei bem e uma possibilidade ainda por explorar...
o tragico, o triste e bonito. pelo menos a meu ver.
e n, n foi da febre! com tantos desejos de melhoras, que nem sequer agradeci *bate em si proprio* "mau Ipslon!", acabei por melhorar. e foi de espirito sao que escrevi cruelmente este conto.
has-de reparar mas knd estou doente tendo mais para o melodramatismo, meloso e lamexas.
e um sim senhor po homem que n tem medo das suas opinioes, assim e keu gosto deles! directos e sinceros!
abraço dos fortes
ps: knt ao lord adorar, hum... duvido ele e dificil de agradar(acho eu) logo se ve
pps:tb fiquei chocado com o desaparecimento. mas eu ando sempre a nora de tudo estava a contar perguntar-t. ja agora, o do inculto tb desapareceu, o kek se passa? anda tudo como o intrevencionista a apagar os blogs sem querer? aiai o ke prai vai

 
At 30/1/06 23:21, Blogger Mac Adame disse...

Pá, gostei. A opinião é sincera, embora não encontre palavras bonitas para o exprimir (ou para as espremer).
P.S.: O meu género musical, na verdade, são muitos géneros. Mas sempre longe do metal.

 
At 31/1/06 01:04, Blogger José Pires F. disse...

Pois é amigo, o In_Culto e a Doritos também desapareceram. Mas esses creio que foi propositado devem estar numa fase daquelas… Tenho pena, porque eram companheiros de há algum tempo e quando começamos a criar algumas cumplicidades, fazem-nos destas.
Espero que voltem.
Agora a Clarissa está-me a deixar preocupado, pois não encontro razão para ter acabado com um blog tão interessante e que tanto prometia, e menos ainda para ter deixado de nos visitar. Não consigo encontrar justificação.
O Intervencionista, esse se desaparecer, já sabemos que se enganou. Além disso, tenho o telefone dele para o chamar à razão.
De resto, o Macaco Adriano cá continua sempre com as suas observações a propósito e com grande espírito de humor, e palmas para as novas entradas, como a Andreia que melhora de dia para dia, até já lhe deu para escrever, e para o Conteúdo Latente (Outro nome que adoro) que começa a fazer aparições muito a propósito.
Bem-hajam os que permanecem, e os novos que devem ser recebidos com carinho.
Mas eu tenho um fraquinho pela Clarissa.
CLARISSA! ONDE ESTÁS?????
Um Abração amigo Ipslon.

 
At 31/1/06 01:11, Blogger marCOX disse...

adorei man!

 
At 31/1/06 19:16, Anonymous Anonymous disse...

possa até me arrepiou...que história...kiss pequenita

 

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